Natal, estrelas e cotidiano
Preparades para 2ª edição da newsletter com mais cafeína deste país?
Sempre me surpreendo quando recebo algum retorno positivo para os meus projetos. É um misto de felicidade com autossabotagem. Mania boba de não se achar merecedora de coisas boas, sabe? Depois a gente pode conversar mais sobre isso. Hoje quero agradecer pelo apoio à primeira edição da news. Já somos 22 xicrinhas de café*, acreditam?
Vocês são demais. Espero que gostem desta segunda edição. Boa leitura!
*Resolvi fazer um apelido fofo para assinantes da news. O que acharam?
Noite Feliz…
Sempre gostei de trabalhos manuais — ou, como diria minha mãe, "inventar moda". Por isso, quando criança, adorava montar a árvore de Natal, passando horas envolvida com luzinhas e enfeites.
Na minha cabeça, havia lógica para a posição de cada bolinha, papai noel e bicho com chapéu vermelho pendurado no pinheiro de plástico. Os maiores ficavam mais embaixo, em cores alternadas e misturados ao festão prateado. Para esconder o pé da árvore, eu pegava um pano branco e raspava isopor para fazer de conta que era neve. Poderia até ser ser algodão, mas, como era mais caro, a gente usava só isopor.
Natal para mim sempre foi essa coisa de "fazer de conta". Imaginava ser uma noite na qual o mundo ficava um pouco melhor, a gente sorria mais durante as festas e a comida era mais gostosa. Dormia com esperança de ganhar o presente tão desejado. Sabia que Papai Noel não existia. E, se existisse, ele não viria ao meu bairro porque moramos longe dos Estados Unidos. O velhinho, certamente, era americano.
Nosso Noel era meu pai, que trabalhava dia sim, dia não para manter as contas da casa. Se o presente fosse muito caro, ficaria para depois… e não havia choro. "Quando der eu compro para você". As promessas eram cumpridas em outro momento, mas ainda assim eu ficava chateada. Afinal, era Natal.
Com o tempo fui entendendo a nossa condição social e, mais ainda, como ela funcionava em nossas vidas. Uma hora a conta chega, fechando as portas da fantasia. Quando chegou, montar a árvore virou um rito sem significado. Aliás, tudo foi ficando de lado.
Os jantares começaram a causar indigestão, os encontros familiares ficaram escassos, os presentes ficaram cada vez mais difíceis de comprar e a noite nem sempre era tão feliz. O "faz de conta" não resistiu à realidade. Contudo, como disse Chico Buarque na música "Meu Caro Amigo":
“Muita careta pra engolir a transação
E a gente tá engolindo cada sapo no caminho
E a gente vai se amando que também sem um carinho
Ninguém segura esse rojão”
Temos essa capacidade de fazer, refazer e encontrar novas formas de acreditar em velhos conceitos ou quebrar tudo de vez para construir algo capaz de dar as respostas que buscamos. Não dava para endurecer demais o coração, mesmo sabendo que o consumo orienta grande parte do que desejamos nesta época do ano.
Foi assim que os jantares viraram almoço no dia 25. Que a palavra família perdeu alguns, mas ganhou outros. Os presentes viraram presença, conversa na mesa, lembranças do passado e risadas com afeto.
Entendi como cada pessoa é um universo complexo e completo em si, então deixei de "fazer de conta" que o mundo seria mais feliz no Natal. Poderia tornar Outros mundos mais felizes em outras datas do ano. Ou, pelo menos, tentar.
Já a árvore, bem… Quatro gatinhas nos fizeram cancelar essa parte do Natal. Mas as luzinhas seguem brilhando na frente da casa. Não dá para abrir mão de tudo, né?
Há de surgir 🎵
Nem sempre trarei sugestões de músicas para vocês, mas estas aqui são muito especiais para mim. As três têm a palavra estrela e mostram um pouco do desejo de olhar para o alto em busca de respostas. Afinal, nossa sina é dar significado a tudo nessa vida. Espero que gostem.
II. Notas narrativas
Dia de Quinta
Um cachorro olhou para trás, confuso, depois de sentir um mosquito pousando em seu rabo.
Uma senhora atravessa a rua rebolando tal como fazia nos tempos de mocidade.
Um pássaro tenta pousar na árvore, mas desiste no meio do caminho.
Dois cachorros amigos farejaram o asfalto em busca de alguma delícia esquecida pelos humanos.
Uma menininha de blusa rosa atravessou a rua segurando nas mãos de seu pai.
Motoristas trocam gentilezas no trânsito.
No rádio toca aquela música linda do Kid Abelha, que não lembro o nome.
Uma família de micos sentam no fio de luz, formando, com seus rabos, notas musicais de uma canção ainda não inventada.
O céu está azul.
O dia está mais quente do que os outros.
Eu ainda não estou aqui, mas não me demoro.
Essa edição ficou muito muito linda. Parece mesmo que a gente tá tomando café juntas.
(não bebo café)
"Eu ainda não estou aqui, mas não me demoro." é o que tenho dito a mim mesma para seguir esses dias. Bom saber que estamos sintonizadas e que há luzinhas e estrelas preparadas para brilhar. Obrigada por essa edição, Fati. Te amo